domingo, 18 de março de 2007

O tom tétrico da dor! (Cap.I)

Algo não posso negar: me parece nítido que a experiência da paralisia me proporcionou bem cedo, um caminho por onde eu fui obrigada a trilhar sem ter muita opção. Este caminho se revelou sofrido à princípio; e numa mescla de impotência e marginalização à que esta sequela me submeteu contra a vontade, me vi obrigada pelo atrito com a força do existir, a encontrar um outro meio de locomoção: as asas da alma. É... cedo comecei a ensaiar débeis vôos dentro na minha capacidade de compreensão que vinha de algum lugar dentro de mim e que afirmava existir um caminho de liberdade. Dentro de mim ensaiava a liberdade e aquilo que minhas pernas me impediam de fazer no mundo tridimensional, as asas da alma faziam no meu mundo interior com maestria: voar por dimensões desconhecidas dentro de mim.
Lembro-me bem, tinha 4 anos e há pouco havia sido trazida para o Educandário São João Batista em Porto Alegre. Meu pai e minha tia me deixaram lá numa tarde marcante... A imagem do meu pai se distanciando pelo corredor nunca mais me deixou... Tento definir esta sensação e o que me vem é como olhar prá dentro de um abismo profundo e escuro... você não tem opção quanto a isso, pois não enxerga nada... Faz bem pouco tempo que consigo me recordar disto sem passar por uma profunda dor. Para o meu coração então infantil, isso ficou registrado como marca de gado no campo da existência, e todos os fins de tarde eu lembrava da família, a dezenas de quilômetros longe... e bem parecia estarem do outro lado do mundo. Mergulhada numa saudade profunda, aos pouco fui aprendendo a sobreviver graças a espiritualidade que a vida teve a gentileza de me oferecer em cálice suave, e eu, ávida, saboreei...
Não demorou para que eu percebesse que não estamos sós, apesar de sentirmos muitas vezes esse desconforto, e se nos é vedado um caminho, é por que o universo tem outros para nos fazer por eles trilhar, andar e mesmo que você não queira: ... crescer.

Nenhum comentário: